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Mercado de trabalho perde oportunidade ao negar possibilidades a trabalhadores negros

A associação dos investidores sociais do Brasil, o GIFE, referência no tema do investimento social privado, publicou uma matéria que nos ajuda a entender o contexto que faz com que um senso comum racista, herdeiro da estrutura colonial que atravessa a história do país, imponha seus critérios distorcendo as relações laborais. No artigo, que serviu de base para esta publicação da campanha #QualPerfil?, especialista diz que mercado de trabalho perde oportunidade de aproveitar novos recursos humanos qualificados, ao não dar oportunidade aos jovens negros.

O racismo chegou no Brasil pelo mar. Atracou por aqui conduzindo navios que carregaram, por quase quatro séculos, cerca de 5 milhões de pessoas (famílias inteiras negras). Arrancadas de seus países de origem, tiveram suas histórias e raízes negadas para servir à corte portuguesa, mas especialmente aos grandes proprietários brasileiros, da maneira mais violenta que existe: escravizados. Com forte acento na efetivação do mercado transatlântico de escravos, o Brasil foi o país que mais importou africanos no período da escravidão, um título que, além de vergonhoso, reverbera pelos séculos da história do país até hoje em todos os campos.

O marco dos acordos internacionais

Há uma série de esforços internos de vários países e destes em coletivo com vistas a equiparar os direitos negados às populações negras por meio de pressão internacional com tratados construídos desde 1945 compondo um amplo arcabouço de direitos humanos. Mais especificamente falando de equidade racial, estão a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) e a Convenção da ONU sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1966)

Em 2001, foi feita a Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata e, entre as questões gerais, a de número 2 diz: “Reconhecemos e afirmam os que, no limiar do terceiro milênio, a luta global contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e todas as suas abomináveis formas e manifestações é uma questão de prioridade para a comunidade internacional e que esta Conferência oferece uma oportunidade ímpar e histórica para a avaliação e identificação de todas as dimensões destes males devastadores da humanidade visando sua total eliminação através da adoção de enfoques inovadores e holísticos, do fortalecimento e da promoção de medidas práticas e efetivas em níveis nacionais, regionais e internacionais.”

Outro importante marco na busca pela equidade racial foi a instituição da Década Internacional de Afrodescendentes 2015-2024 pela comunidade internacional que tem como o objetivo geral promover o respeito, a proteção e a concretização de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais da população afrodescendente, conforme reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. A ONU afirma que há cerca de 200 milhões de afrodescendentes vivendo nas Américas e muitos outros milhões em outros continentes. “Seja como descendentes de vítimas da escravidão e do comércio transatlântico de escravos ou como migrantes recentes, eles enfrentam uma série de problemas globais e transversais que devem ser abordados,” declara o documento da Década.

E até 2030, os países signatários da ONU se comprometeram a cumprir a Agenda dos ODS e entre os destaques: a Erradicação da Pobreza (ODS 1) e Redução das Desigualdades (ODS 10) que afetam diretamente a população negra brasileira que cresceu nos últimos anos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016, entre 2012 e 2016, enquanto a população brasileira aumentou 3,4%, chegando a 205,5 milhões, o número dos que se declaravam brancos teve uma redução de 1,8%, totalizando 90,9 milhões. Já o número de pardos autodeclarados cresceu 6,6% e o de pretos, 14,9%, chegando a 95,9 milhões e 16,8 milhões, respectivamente.

Os dados da discriminação

Os dados da pesquisa A Incidência do Racismo sobre a Empregabilidade da Juventude em Niterói e São Gonçalo, desenvolvida em 2018 pela Bem TV-Educação e Comunicação, em parceria com a Faculdade de Estatística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como uma das ações do projeto “Frente Papa Goiaba de Promoção dos Direitos da Juventude Negra”, apontam que na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, 32,7% dos jovens entre 15 e 29 anos está desempregado, mais do que na Síria, em guerra civil. Já em São Gonçalo (município vizinho), 34,7% da juventude não tem emprego, taxa maior do que a registrada entre os jovens do Haiti, país mais pobre das Américas.

Cabe destacar que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa nacional de desemprego entre os jovens no Brasil é de 29%, a mais alta nos últimos 27 anos e muito superior à taxa geral de desemprego do país que bateu 12% no terceiro trimestre de 2018. Particularmente em Niterói, a situação é ainda mais crítica para os jovens autodeclarados pretos: 48% está sem emprego. Nessa cidade, a única parcela da juventude que observa taxa de desemprego (53%) maior do que a taxa de emprego (47%) são as mulheres pretas.

Enquanto a equidade racial não se efetiva no Brasil, o país coleciona situações que constituem um cenário desafiador. Os números são cruéis, embora especialistas como Sueli Carneiro e Maria Aparecida da Silva falem de avanços significativos: “no combate ao racismo do ponto de vista legal”, “na educação como uma das áreas com maior número de experiências concretas e produção teórica pelo Movimento Negro contemporâneo”, “na organização política das comunidades remanescentes de quilombos, adquirindo dimensões nacionais”, “na participação dos negros nos meios de comunicação e a consciência da exclusão da imagem negra nesses veículos”, no “surgimento movimento de mulheres negras, introduzindo novos temas na agenda do movimento negro.”

O relatório A distância que nos une – Um retrato das desigualdades brasileiras, da Oxfam, mostra que entre as pessoas que recebem até 1,5 salário mínimo, 67% são negros e menos de 45% são brancos. Cerca de 80% das pessoas negras ganham até dois salários mínimos. Assim como as mulheres, os negros são menos numerosos em todas as faixas de renda superiores a 1,5 salário mínimo: para cada negro com rendimentos acima de 10 salários mínimos, há quatro brancos. O documento considera que se mantido esse ritmo de inclusão de negros observado nesse período, a equiparação da renda média com a dos brancos ocorrerá somente em 2089.

Embora tenha havido avanços nas últimas décadas, o estudo mostra números inaceitáveis quando compara rendimentos de homens e mulheres: saímos de uma situação em que mulheres ganhavam 40% do valor dos rendimentos dos homens para uma proporção de 62% em 20 anos, sobretudo por conta da crescente entrada da mulher no mercado de trabalho remunerado. A renda média do homem brasileiro era de R$ 1.508,00 em 2015, enquanto a das mulheres era de R$ 938,00. Se for mantida a tendência dos últimos 20 anos, a Oxfam Brasil calcula que mulheres terão equiparação salarial somente em 2047.

Na perspectiva das relações raciais no Brasil, o tema da igualdade no trabalho tem relevância não somente conjuntural, mas histórica, uma vez que o trabalho foi inicialmente utilizado no país como ferramenta de opressão e aprisionamento da população negra, conforme análise do Guia Temático: Promoção da Equidade Racial, Ethos e CEERT. O documento revela que 5% dos cargos executivos em empresas são ocupados por negros.

Este mesmo contexto faz com que um jovem negro seja assassinado a cada 23 minutos no Brasil. É o que a ONU nos disse em 2017, no contexto da Campanha #VidasNegras lançada pelo organismo como mais uma forma de conscientização pelo fim da violência contra a juventude negra. Dois anos antes, a organização multilateral havia instituído a Década Internacional de Afrodescendentes, quando afirmou que dos 200 milhões de afrodescendentes nas Américas, mais da metade estão no Brasil, o que o torna “o maior país em número de afrodescendentes nas Américas.”

Entretanto, de acordo o Atlas da Violência 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no país, 71 são negras e elas possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados. O Mapa da Violência 2016: Homicídios por Armas de Fogo no Brasil afirma que 21.892 pessoas perderam suas vidas em ações policiais entre 2009 e 2016: 99,3% eram homens, 81,8% entre 12 e 29 anos, 76,2% negros. O alarmante é que estes números vêm aumentando, segundo demonstra o documento apresentado na versão 2018 do Mapa da Violência. Enquanto a taxa de homicídios de negros aumentou em 23,1%, a de não negros teve redução de 6,8%.

O balanço de 2016 dos dados do Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, mostram que do total de atendimentos, 12,38% ou 140.350 mil corresponderam a relatos de violência, sendo que 60,53% das violências foram cometidas contra mulheres negras, seguidas pelas mulheres brancas (38,22%), amarelas (0,76%) e indígenas (0,49%).

Em 2013, Data Popular e Instituto Patrícia Galvão realizaram a pesquisa Representações das mulheres nas propagandas na TV. O padrão de beleza nas propagandas distante da realidade das brasileiras foi apontado por 65%, sendo que 60% consideram que as mulheres ficam frustradas quando não se veem nesse padrão. 51% gostariam de ver mais mulheres negras e 64% gostariam de mais mulheres de classe popular nas propagandas. Outra informação que chama a atenção é que percebem que as mulheres nas propagandas são majoritariamente jovens, brancas, magras, loiras e têm cabelos lisos.

Mercado, investimento privado e equidade, é possível?

Suelaine Carneiro, coordenadora do Programa de Educação, Geledés – Instituto da Mulher Negra é categórica ao apontar a necessidade do conjunto da sociedade se comprometer com a equidade racial, nos mais diversos âmbitos sociais: no mercado de trabalho, na educação, na saúde, na habitação etc.

Para ela, “nos últimos anos, tivemos mudanças reais a partir da instituição de cotas raciais, (…) o que fez emergirem negras e negros qualificados e aptos a ocupar diversos cargos. Porém, o mercado de trabalho desperdiça esta oportunidade por não dar as mesmas possibilidades para trabalhadores negros quer em relação a ocupação de vagas, na progressão da carreira ou na igualdade de salários. Portanto, o racismo e a discriminação impedem a distribuição igualitária das oportunidades na nossa sociedade que se evidencia na manutenção dos padrões de desigualdades”.

Por sua parte, neste breve vídeo preparado pela RedeGIFE, Selma Moreira, diretora executiva do Fundo Baobá, responde à pergunta, o que o Investimento social privado pode fazer pela equidade racial?

Fonte: RedeGIFE

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