Pesquisa RACISMO EMPREGO e JUVENTUDE em Niterói e São Gonçalo

No município de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, 32,7% dos jovens entre 15 e 29 anos está desempregado, mais do que na Síria; em guerra civil. Já em São Gonçalo (município vizinho), 34,7% da juventude não tem emprego. A taxa é maior do que a registrada entre os jovens do Haiti, país mais pobre das Américas. É importante dizer que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a taxa nacional de desemprego entre os jovens no Brasil é de 29%, a mais alta nos últimos 27 anos; e muito superior à taxa geral de desemprego do país que bateu 12% no terceiro trimestre de 2018. Particularmente em Niterói, a situação é ainda mais crítica para os jovens autodeclarados pretos: 48% está sem emprego. Nessa cidade, a única parcela da juventude que observa taxa de desemprego (53%) maior do que a taxa de emprego (47%) são as mulheres pretas. O desemprego também é maior entre os mais jovens, alcançando mais da metade daqueles entre 15 e 19 anos nos dois municípios.

Os dados são da pesquisa “A Incidência do Racismo sobre a Empregabilidade da Juventude em Niterói e São Gonçalo”. O estudo foi desenvolvido pela Bem TV-Educação e Comunicação, em parceria com a Faculdade de Estatística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como uma das ações do projeto “Frente Papa Goiaba de Promoção dos Direitos da Juventude Negra”. É importante salientar que foram considerados no cálculo das taxas de desemprego, apenas jovens que já haviam trabalhado em algum momento da vida ou que estava procurando emprego. Ou seja, aqueles que apenas estudam não foram computados.

Para chegar a essas (e outras) conclusões, foram entrevistados 1000 jovens em oito pontos diferentes de Niterói e 1000 jovens em oito pontos diferentes de em São Gonçalo. As entrevistas foram realizadas em diferentes dias da semana e horários, incluindo sábados e domingos. Foram respeitadas na composição dos grupos de entrevistados de cada cidade, as mesmas proporções observadas nas respectivas populações jovens. Ou seja, o número homens e mulheres entrevistados, o número de autodeclarados brancos, pretos e pardos, e ainda a quantidade de jovens dentro de três faixas etárias distintas (15 a 19; 20 a 24 e 25 a 29 anos) eram proporcionais ao observado no conjunto da população jovem de cada município. A referência foi o Censo 2010 do IBGE. A pesquisa tem um índice de confiabilidade de 95%, com margem de erro de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Analisando os dados coletados, observamos muitos pontos em comum entre Niterói e São Gonçalo no que se refere à participação da juventude no mercado de trabalho. Nos dois municípios o índice de desemprego entre jovens está em torno de 30%, a faixa salarial média varia de 1 a 3 salários mínimos, o tempo de vida laboral predominante para a juventude é de 1 a três anos, a maioria dos jovens trabalha no setor privado e com carteira assinada. Mas há diferenças. Em Niterói, 60,35% dos jovens se declara branco. Já em São Gonçalo 57% dos jovens se declara negro (preto ou pardo). A cidade mais branca é também a mais rica: Niterói registrou renda per capita de R$2.000,29 em 2010, enquanto em São Gonçalo a renda per capita no mesmo ano era de R$669,30¹. (Segundo o IBGE, no Brasil a renda per capita hoje é de R$1.268,00).

¹ Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (www.atlasbrasil.org.br)

Tais diferenças entre os dois municípios explicam a maior incidência do racismo sobre os jovens no mercado de trabalho de Niterói. Ainda que São Gonçalo tenha 43% de sua população jovem se autodeclarando branca, trata-se de uma população pobre que termina por enfrentar dificuldades semelhantes no acesso à oportunidades de emprego. Além disso, outra hipótese levantada pela pesquisa é o fato de que São Gonçalo possui uma economia mais frágil², ofertando postos de trabalho de menor exigência no tocante à escolaridade, o que também dilui as diferenças entre brancos e negros. Em Niterói, há maior oferta de vagas com exigência de nível superior, por exemplo.

² PIB per capita de Niterói é de R$51.779,62 (cinquenta e um mil, setecentos e setenta e nove reais e sessenta e dois centavos) In cidades.ibge.gov.br

Cabe ainda observar que, mesmo com uma renda per capita superior – já em 2010 – à renda per capita nacional atual, Niterói ainda tem 55% de sua população jovem vivendo em famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos. Ou seja, ainda existe uma parcela significativa de jovens pobres. O dado revela que além de “mais rica” Niterói é também mais desigual. Se considerarmos o índice de Gini³, comumente utilizado para medir desigualdades sociais, veremos que Niterói, na contramão do que ocorreu no país, ampliou seu índice de Gini a partir de 1990, chegando a 0,598 em 2010, bem acima do índice nacional que na mesma época era de 0,530. Já São Gonçalo é uma cidade mais igualitária, com índice de Gini de 0,430, em 2010, tendo sido observada sua redução ao longo das duas décadas anteriores. Trata-se, no entanto, de um nivelamento econômico “por baixo”, já que 73% dos jovens gonçalenses (portanto mais do que apenas os negros) vive em famílias com renda mensal de até 3 salários mínimos.

³ O índice vai de 0 a 1. Quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade.

Outra informação alarmante revelada pela pesquisa da Bem TV/UFRJ refere-se ao grande número de jovens que trabalham sem nenhum tipo de vínculo com seus empregadores. Na faixa etária entre 15 e 19 anos, nos dois municípios, além do desemprego ser maior, mais da metade dos que trabalham foram classificados como “autônomos informais”. Essa categoria, criada inicialmente pensando nos camelôs e “biscateiros”, terminou por se mostrar bem mais ampla. Muitos jovens que trabalhavam no comércio (padarias, lojas, farmácias), ou mesmo em empresas prestadoras de serviço de médio e até de grande porte, declaravam possuir apenas “um acordo de boca”, sem acesso a qualquer direito trabalhista ou qualquer garantia. Nas demais faixas etárias predominam os vínculos com carteira assinada, o que é um dado positivo. Ainda assim a informalidade tem um papel importante: 25% do total de jovens trabalhadores de Niterói e 32% dos jovens trabalhadores de São Gonçalo atuam como “autônomos informais”.

As políticas públicas que incidem sobre a interface juventude e empregabilidade são pouco conhecidas pelos jovens no território abordado. Programas de formação profissional como Pronatec, Projovem, Prouni ou FIES, jamais foram acionados por 80% dos jovens de São Gonçalo e 74% dos jovens de Niterói. No que se refere ao Sistema Nacional de Emprego (SINE), menos da metade dos jovens o conhecem, e apenas 23% dos jovens de São Gonçalo e 18,6% dos jovens de Niterói já fizeram uso dele ou de outra ação pública para buscar emprego. Em outras palavras, embora as barreiras à empregabilidade dos jovens nos municípios de Niterói e São Gonçalo, sejam muitas e agudas, as políticas públicas pensadas e ofertadas para enfrentar tais problemas não são divulgadas entre os jovens, ou não os atraem.

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