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Niterói e São Gonçalo tem 1/3 de juventude desempregada, negros são os mais atingidos

Uma pesquisa desenvolvida pela organização não governamental BemTV, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) abordando a incidência do racismo sobre a empregabilidade da juventude nos municípios de Niterói e São Gonçalo revelou dados preocupantes. Os dois municípios têm um terço da juventude em busca de emprego, 32,7% em Niterói e 34,7% em São Gonçalo. Entretanto, quando se trata de jovens autodeclarados pretos, seguindo as categorias do IBGE, o cenário é alarmante: quase metade (46%) está desempregada.

A pesquisa

Foram entrevistados mil jovens, de 15 a 29 anos, em cada município entre maio de 2017 e maio de 2018. O questionário foi dividido em três partes: dados socioeconômicos, de inserção do jovem no mercado e da percepção do jovem sobre o racismo. Esta aferição jogou luz sobre como a sociedade enxerga a discriminação racial.

Além disso, o estudo mostrou que o desemprego é maior entre as mulheres, 35,6% dos jovens homens em Niterói estão empregados contra 31% de mulheres. Analogicamente, São Gonçalo apresenta números similares com 34,8% contra 30,6%. Outro resultado foi a constatação de que o racismo é maior em Niterói, enquanto a discriminação de gênero está mais presente no município vizinho. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais para mais ou para menos, com taxa de confiança de 95%.

“Naturaliza-se que nas favelas a maioria das pessoas seja negra e nos bairros nobres da cidade, brancas”

Foto BemTV

Racismo Institucionalizado

Rubens Teixeira de Oliveira, que participou da pesquisa, tem 23 anos e é estudante de Estatística. Em entrevista ao jornal O Globo ele afirma que os resultados não são nenhuma surpresa. “Outros estudos no Brasil e no mundo abordam a questão do racismo e da condição dos negros, por isso não me surpreendi com a disparidade. O Brasil é um dos países mais racistas do mundo e um lugar em que sempre houve a negação da problemática” enfatiza ele, que já trabalhou em telemarketing e como técnico químico. “A maioria das pessoas se preocupa em não parecer racista, mas estereotipa o negro. A verdade é que boa parte das pessoas que entrevistam candidatos para vagas de emprego nunca parou para pensar no racismo de verdade.”

Rubens também ressalta como é difícil para o indivíduo enxergar o racismo no seu próprio cotidiano. “A maioria das pessoas ouvidas respondeu que acredita que exista o racismo, mas não se reconhece no papel de agressor ou de vítima dele. É uma questão que está atrelada ao mito da democracia racial. Naturaliza-se que nas favelas a maioria das pessoas seja negra e nos bairros nobres da cidade, brancas” argumenta Oliveira. Ressaltando assim como as discriminações passam despercebidas dentro da nossa sociedade, e pra uma institucionalidade do racismo. Racismo Institucional, conceito definido no Programa de Combate ao Racismo Institucional, como o conjunto de “normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho”.

Discriminação nas entrelinhas

Coordenadora da pesquisa, Márcia Correa e Castro explica que a iniciativa de se inscrever no edital da União Europeia, financiadora da pesquisa, partiu da consciência do quão real é a discriminação no seu próprio meio. “A Bem TV faz o encaminhamento de jovens para o mercado e tem um cadastro com mais de 1.600 pessoas. Em 2016, encaminhamos 941 candidatos e 142 acabaram empregados. Destes 142, 56% eram negros e 44%, brancos. Num primeiro momento você pode até olhar os números e dizer “empregamos mais negros”, mas o contexto não permite a comemoração. Isso porque dos 941 encaminhados, 713 eram negros. Percebemos que a empregabilidade dos brancos era muito maior”, conta a pesquisadora.

Para ilustrar essa realidade, Márcia relembra um caso onde dois jovens, um negro e um branco, ambos encaminhados pela BemTV, concorreram à mesma vaga. Embora a qualificação do jovem negro fosse muito superior, foi o seu concorrente que conseguiu a vaga. “Quando os encaminhamos, tínhamos noção de que um era muito melhor do que o outro. O candidato negro tinha experiência, sabia editar em vários softwares de vídeo, era articulado. O outro não tinha o mesmo nível de conhecimento e vivência. A única conclusão possível é que houve racismo” avalia. O racismo em casos como esse nunca é declarado, ficando sempre nas entrelinhas.

Declarada ou não, a discriminação nem sempre é sutil, como exemplifica Gabriele Silva de Andrade, de 16 anos. Ao postular para uma vaga de jovem aprendiz em um banco, a adolescente teve sua candidatura imediatamente recusada. “Foi uma das piores experiências que eu tive na vida. A moça me olhou e disse, sem sequer olhar o meu currículo, que eu não tinha o perfil para atender o público. Falei que já tinha experiência como atendente, e ela respondeu que até poderia receber o meu currículo, mas que eu não seria chamada para a entrevista. Eu nem soube o que falar.”

“Quando botam o negro na publicidade é para se aproximar do público, mas fica só nisso.”

Foto BemTV

Segregação Silenciosa

Em Niterói essa discriminação acontece dentro de um projeto de higienização da cidade, de onde os negros são expulsos silenciosamente, é o que diz Edvan Miranda Santana, de 27 anos, circense e eletrotécnico. “Niterói é uma cidade embranquecida e que expulsa os negros pelo alto custo de vida. Já trabalhei em estaleiro, e é nítida a diferença de cargos entre brancos e negros. O negro é soldador, ocupa um cargo técnico, mas nunca é o gerente, mesmo quando tem a mesma formação do que um branco. Existe a ilusão de que o mercado funciona a partir do seu “gabarito”, mas ele funciona à base do networking. Quando que o negro tem a oportunidade de transitar nos mesmos lugares e com as mesmas pessoas que os brancos?” pergunta. Edvan também denuncia o oportunismo e negligência do empresariado em relação à discriminação racial. “Quando botam o negro na publicidade é para se aproximar do público, mas fica só nisso.”

Wellington Barreto Basílio, de 24, conta a exaustiva rotina de um jovem negro desempregado. “Entreguei muito currículo, mas nada surgiu. Cansa sair cedo de casa, andar o dia todo no sol, bem vestido, e voltar sem resultados. As opções de trabalho para pessoas negras no mercado são limitadas”, ressalta.

Alagoana de 25 anos, Thays Ribeiro, conta sobre a segregação nem sempre tão sutil no Rio de Janeiro. “Já fui auxiliar de farmácia, vendedora, caixa, frentista e garçonete. Aqui no Rio já deixei vários currículos, mas não consigo emprego. A experiência em carteira não conta. Teve uma rua de Icaraí em que eu e um amigo fomos entregar currículo e não tivemos coragem de entrar porque todos os funcionários eram brancos. Nessa rua inteira, só tinha uma loja com funcionários pretos”, relata.

Fontes: O Globo e BemTv

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