O que significa que após tantos anos de TV só agora uma mulher negra assuma a bancada do jornal mais importante do país?
A partir do último sábado (16/02), a jornalista Maria Júlia Coutinho, conhecida pelo público como Maju, passou a apresentar o Jornal Nacional, da TV Globo. Até então garota do tempo do JN, Maju conquistou o público e a direção da emissora pela competência e simpatia. Maju já foi âncora da emissora aos sábados, no “Jornal Hoje” e recebeu muitos elogios durante a cobertura da tragédia em Brumadinho (MG), quando comandou as transmissões ao vivo durante horas seguidas na bancada do plantão da Globo.
A Polêmica
O fato é que desde sábado, Maju passou à história como a primeira mulher negra a assumir a bancada do principal telejornal do país. Assim, desde que a informação foi publicada primeiramente pela jornalista Patrícia Kogut, e confirmada por fontes da emissora, começou a se espalhar a polêmica nas redes sociais. Então, uns comemoravam a conquista, deixando claro que havia ali algo mais do que o sucesso pessoal de uma jornalista qualquer. Em contrapartida, outros pareciam se incomodar justamente por isso, por perceber que esse particular sucesso escancara uma realidade que muitos querem esconder.
Mesmo sendo um dos mais longevos da TV brasileira – completa 50 anos em 2019 -, o noticiário nunca foi conduzido por uma mulher negra. Vale lembrar que, em seus primórdios e, por muitos anos, o Jornal Nacional foi, inclusive, apresentado por uma dupla de homens: Cid Moreira e Sérgio Chapelin. A primeira mulher a apresentar o “JN” foi Márcia Mendes, que esteve na bancada do programa apenas em um dia 8 de março de 1972. A rara concessão ao jornalismo feminino teria tido a intenção de “homenagear” o Dia Internacional da Mulher.
Já a primeira âncora mulher do programa foi Valéria Monteiro, que assumiu as funções no ano de 1992 e permaneceu até meados de 1993. Desde 1996, o telejornal tem uma dupla formada por homem e mulher como titulares. Em termos de representatividade, a primeira mulher negra a aparecer no noticiário foi Glória Maria, como repórter em um link, em 1977. O primeiro homem negro a apresentar o Jornal Nacional foi Heraldo Pereira, já no Século XXI, em 2002, quando entrou no time de substitutos do programa e participa do rodízio desde então. Ou seja, são 17 anos de diferença para a chegada da primeira mulher negra na bancada e 50 desde sua criação.
Representatividade, o X da questão
Vivemos em uma sociedade imersa em uma gritante discrepância no trato dado a homens e mulheres, que se intensifica quando pensamos em raça. Quando homens e mulheres negras ocupam papéis de protagonismo, vínculos são criados, redes são fortalecidas para que outros e outras possam ali se ver e continuar. Representatividade.
Como decorrência de uma história colonial, em que os povos negros foram por séculos escravizados, ao longo do mesmo processo que colocou as bases da nossa estrutura social, institucional e cultural, isto é, tanto material quanto simbólica, o povo negro foi sistematicamente sub representado na comunicação, na arte, na ciência, no mundo acadêmico e político.
Em uma sociedade majoritariamente não-branca, por razões históricas relacionadas com as relações entre o saber e o poder, esta população foi exposta a um mundo fictício, supostamente “ideal”, homogêneo e branco. Representatividade na comunicação significa pluralizar visões e opiniões, possibilitando que a sociedade disponha de outro acervo cultural e simbólico que dialogue com a nossa diversidade, indo muito além do modelo atual, oferecido por uma mídia pasteurizada, em que poucos jornalistas fogem à regra.
Representatividade muito além das aparências
Representatividade importa, e o fato é que, muito além de simplesmente se ver na telinha, de ter sequer a possibilidade de ver alguém parecido com você nos programas de televisão do seu país, o que vemos nos meios representa a inequidade da sociedade brasileira. O que é representado ali é a negação de oportunidades, o preconceito e a discriminação. A representação do que parece sério e competente na televisão reflete com clareza as estatísticas do mundo laboral, por exemplo.
Podemos desviar a vista e achar que tudo que não percebemos é mimimí, reclamação de quem quer criar problemas, mas a questão de fundo se olharmos para o sucesso da Maju em uma perspectiva menos passoal e mais histórica, é que, ou acreditamos que em 55 anos de TV brasileira e 50 do seu principal telejornal, só existiu apenas uma jornalista negra competente o bastante para assumir a bancada do JN, ou então entendemos e aceitamos que o racismo distorce as relações laborais.
Neste caso, por uma questão de ética, de compromisso com a sociedade e até de bom senso, o que cabe é buscar a superação dessa distorção, contribuindo para derrubar os muros que impedem que novos profissionais negros e negras assumam funções adequadas a sua formação e experiência.
Produzido pela Equipe da campanha [r+H] com informações de Curta Mais/Exame/Globo.
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