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Por que ainda é tão difícil ver negras executivas no Brasil?

Por Amanda Soares para Projeto Colabora

O Dia Internacional da Mulher celebra vitórias importantes, que trouxeram dignidade para a vida da mulher trabalhadora. Uma homenagem merecida às operárias que, no final do século XIX, militaram por direitos trabalhistas para as mulheres e por mais equidade entre os gêneros. No entanto, para as trabalhadoras negras de um modo geral e para as brasileiras, em particular, a igualdade de oportunidades e de condições dignas de trabalho ainda são utopias difíceis de se alcançar.

Nina Silva é gerente de projetos na ToughWorks, empresa de TI que tem como parte da sua missão promover a equidade racial e de gênero. Foto Divulgação

Se vida de negro é difícil, como dizia a música de Dorival Caymmi – trilha sonora da novela “Escrava Isaura”, nos anos 80, estrelada pela branca Lucélia Santos -, imagine quando as mulheres pretas cometem a ousadia de sonhar com um cargo de direção, daqueles que são descritos por siglas em inglês, como CEO e CFO. De acordo com a pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero”, publicada em 2018 pelo Instituto Ethos, apenas 0,4% dos cargos de CEO no Brasil são ocupados por mulheres negras.

O relatório, resultado de uma avaliação realizada junto às 500 maiores empresas do Brasil, apontou uma grande desigualdade de gênero e raça nos cargos executivos no país. O estudo mostrou que negras e negros são 57,5% do total de aprendizes – vagas destinadas a jovens de quatorze a vinte e quatro anos cursando até o ensino médio – mas, quando se chega apenas um patamar acima, o índice cai quase pela metade: eles são menos de 30% do quadro de estagiários (vagas destinadas a estudantes de nível superior).

Gabriela Santos é mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas. Foto Divulgação

“O que a gente pode apreender é que a população jovem negra tem mais necessidade de trabalhar e entra no mercado de trabalho em massa, mas não ascende na carreira por não ter estudado o suficiente.”, conclui a Coordenadora desta edição da pesquisa, a professora Gabriela Santos, que é mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas e estuda a trajetória profissional de mulheres negras em empresas multinacionais de São Paulo. “O perfil exigido a partir do estágio já é excludente, fora da realidade social brasileira.”

Ela fala mais especificamente da preferência do mercado por qualificação extracurricular, estudantes de instituições federais e o domínio de outras línguas – quando apenas 3% dos brasileiros sabem falar inglês fluentemente. E são habilidades que a maioria das empresas pesquisadas não estão dispostas a compensar internamente: 88% das organizações ouvidas pela pesquisa não possuem programas de capacitação para funcionários.

De onde vem a exclusão?

Gabriela acredita que “as instituições comerciais vão refletir a sociedade em que elas estão inseridas”.  Aqui no Brasil, isso significa que temos resquícios do processo de colonização, de 388 anos de escravidão, de uma democracia que, segundo a professora, não permitiu a realização de mudanças sociais consistentes, além de traços patriarcais que fazem parte da nossa dinâmica social.

“Apesar da Constituição dizer que não há diferença entre mulheres e homens”, diz ela, “na sociedade em termos culturais, de convívio, a mulher é afetada pela distribuição desigual do trabalho doméstico, por exemplo: é quem fica responsável pelo cuidado com os filhos, irmãos, com os pais, com a casa…”, o que já poupa os homens brancos e boa parte dos homens negros de um segundo turno de trabalho depois que voltam para casa.

Da base para o topo da pirâmide

Afinal, quem integra essa porcentagem? Entre o grupo quase exclusivo de diretoras executivas negras, está a atual CEO da Lacoste no Brasil, Rachel Maia. Em seu currículo constam instituições como a FGV, a USP e Universidade de Harvard. Ela é membro do comitê de presidentes da Câmara Americana de Comércio (Amcham), um comitê internacional que visa influenciar as políticas econômicas para facilitar as relações comerciais entre o Brasil e Estados Unidos. Portanto, chegar ao topo da hierarquia empresarial não se trata apenas de êxito pessoal na carreira profissional, mas de acessar posições estratégicas de tomada de decisões e proporcionar mudanças consistentes no mercado global.

Presidente do Movimento Black Money no Brasil (MBM) e ganhadora do Prêmio 100 afrodescendentes mais influentes do mundo, Nina Silva considera que alcançar posições de influência traz uma grande responsabilidade com outras como ela. “É uma população que é colocada em serviços operacionais, não de direção. Quando colocamos espelhos em posições altas, fazemos com que a base se mova.” Atualmente, ela é gerente de projetos na ToughWorks, empresa de tecnologia da informação que busca promover equidade de gênero e racial como parte da missão da organização.

Ela já sentiu o desconforto de estar sozinha: “na área de liderança eu não tinha pares”. Enquanto subia de posição em sua antiga empresa e despontava na área de TI como uma das profissionais mais influentes do setor. “Durante 16 anos, em que eu estava na SAP (Sistemas, Aplicativos e Produtos para Processamento de Dados, do alemão) – que é uma empresa elitista, classista, e tem um sistema caro de implementar -, dificilmente esses cargos (executivos) eram ocupados por mulheres e nunca por colegas negras.”


O prêmio 100 afrodescendentes mais influentes do mundo concedido a Nina Silva. Foto Reprodução

Mesmo estando na posição de líder de sua equipe, ela reclama das tentativas – frustradas – de boicote. “Muitas vezes eu ia para uma reunião munida de informações desatualizadas. Boicote de um colega, para me fazer parecer menos capacitada.” Também havia as pequenas agressões, passivas e aparentemente inocentes “Faziam manterrupting (quando um homem interrompe uma mulher para repetir o que ela já estava dizendo), chamavam de menina ou questionavam minha escolha profissional”.

O MBM parte do princípio de que a sociedade negra precisa desenvolver as próprias instituições, ser dona dos próprios meios de produção, garantir a circulação de capital entre negros, e distribuir poder em mãos negras. Uma das iniciativas é o AfreekTech, que promove educação tecnológica de jovens negras de subúrbio e periferia. “Ganhamos um edital para que 40 alunas fizessem cursos de programação básica, modelagem de negócios”.  A ideia é estimular a juventude preta para que eles evoluam em seus negócios de forma profissional e não apenas de maneira intuitiva.

Na avaliação geral por gênero, as mulheres (brancas e negras) ocupam 58,8% das vagas de estágio. Na função de treinee, sua presença diminui para 42,6% e ainda mais (35,5%) no quadro de efetivados. Fazendo o recorte racial, essa presença decai muito, fazendo com que as negras ocupem apenas 0,4% dos cargos de direção.

A pesquisa realizada pela BemTV em parceria com a Frente PapaGoiaba reforça os dizeres de Nina. Em Niterói, a única parcela da juventude que observa taxa de desemprego (53%) maior do que a taxa de emprego (47%) são as mulheres pretas. 

O Brasil é o país com a segunda maior população negra do mundo (só perde para a Nigéria), e as mulheres negras representam o maior contingente da população (27% segundo o IBGE). Por isso, mulheres negras em cargos de liderança podem rever a visão de empresas, propor mudanças internas que abram possibilidades de carreira para outras como elas. Para Nina, o mercado só teria a ganhar com mais mulheres negras em cargos de gestão: “Não entendo como as empresas não enxergam que são pessoas muito mais preparadas para lidar com qualquer conflito e gerir crises”, argumenta. “Nós alteramos a rotina de uma multinacional a partir da capacidade do olhar empático com as outras partes da pirâmide, e isso é uma habilidade de liderança.”

Link para matéria: Projeto Colabora

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