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Mãe não é o perfil?

Veruska de Oliveira, 27 anos, é de São Gonçalo e nunca teve carteira assinada. Atualmente desempregada, não pôde contar com auxílio da previdência social durante a gravidez da primeira filha, a pequena Kíssila. Veruska é, como muitas mulheres negras de sua geração: uma jovem empreendedora que, como confirmam pesquisas, ficou de fora do mercado formal de trabalho e que vê suas chances de ter a carteira assinada diminuírem com a idade e a maternidade.

“Meu primeiro trabalho foi como babá, com 10 anos de idade”. A jovem ainda trabalhou como manicure por seis anos, mas teve que parar por motivos de saúde: “estava me dando problema de coluna”. Aos treze, começou a dançar e a dar aulas de hiphop no Jardim Catarina. Foram várias ocupações até criar o Bazar Nega Metida, aos 25. O motivo de viver sempre na informalidade foi a falta de oportunidades. “Quando eu tinha quinze anos, comecei a procurar emprego, mas nunca me aceitavam. A maior desculpa – a última vez que procurei emprego – era estética, por causa da minha dentição.”

Veruska de Oliveira, que também é dançarina de hip-hop.

De acordo com a pesquisa “A Incidência do Racismo sobre a Empregabilidade da Juventude em Niterói e São Gonçalo”, realizada pela Frente PapaGoiaba, a informalidade acaba sendo a opção de 32% dos jovens trabalhadores de São Gonçalo, principalmente mulheres pretas, como Veruska.

Sem salário fixo, a prioridade do dinheiro que entrava era pagar as contas. A preocupação com a previdência social só apareceu quando a jovem engravidou da primeira filha. “…..”. Precisou parar de trabalhar no bazar quando a gestação ficou avançada e a depender exclusivamente da renda do marido. Sem nunca ter contribuído com o INSS, Veruska não teve acesso a direitos como auxílio doença caso tivesse complicações, ou a licença maternidade remunerada.

Como o mercado vê a trabalhadora mãe

Hoje, aos 27 anos, sem nenhuma experiência comprovada, ela acredita que é mais difícil conseguir emprego formal: “Nunca tive carteira assinada e tudo mudou (governo, leis trabalhistas…) então é mais difícil. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, metade das trabalhadoras se afastam ou são demitidas sem justa causa até um ano depois do fim da licença maternidade.

A pesquisa ainda mostrou que o desligamento é maior para mulheres com pouca escolaridade: 53% das mulheres demitidas após o período de segurança tinha até o ensino fundamental, e 49% tinham até o ensino médio completo. A pesquisa enquadra Veruska em um perfil preocupante de mulheres que não são inseridas no mercado após o nascimento de um filho. Segundo a FGV, a taxa média de média de participação no mercado é de 65% para mulheres entre 25 e 44 anos. Já entre as mulheres com filhos, a taxa cai para 41%.

Leis trabalhistas e saúde na gestação

Ela acredita que as leis trabalhistas deveriam considerar a saúde da gestante. “A gravidez é um ponto muito sensível pra uma mulher, principalmente na primeira gestação. (…) Fora que, qualquer tombo ou susto podem acarretar numa reação séria e risco pro bebê.” Ela sente falta de empatia no legislativo, formado majoritariamente por homens: “Tem “N” outras coisas que acontecem no decorrer desses 9 meses que nos abalam, e que nenhum homem vai entender por que eles não passam por essa experiência. Nossa barriga tem fragilidade.”

Quanto à licença maternidade, ela comentou: “Eu acho que poderia ser até um ano. Nos primeiros meses, a presença dos pais é primordial: tem vacina aos dois, quatro e seis meses. Tem cólicas, o cuidado de estar perto e olhar o que o filho está fazendo.” – Nesse ponto da conversa, Kissila (de oito meses), saiu do berço sozinha e engatinhou até a mãe sem que ela percebesse. Ela acredita que depois do primeiro ano de vida, a criança se torna mais independente. “Em um ano, a criança já come, já começa a andar, já começa a entender que a mãe precisa se afastar, fica mais independente”, defende.

Licença maternidade

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a legislação de apenas sete países garante licenças maternidade remuneradas maiores do que o mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Somente em três as trabalhadoras têm direito a um ano de afastamento remunerado das funções. Nenhum destes fica na América Latina.

A legislação brasileira segue a recomendação mínima da OMS, que é de 120 dias após a data do parto, podendo se estender até 180 dias com um acordo feito entre a empresa e o sindicato da categoria da trabalhadora. Sem contribuir com o INSS, Veruska não teve acesso a mais este direito.

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