O que é racismo ambiental ?

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O que é Racismo Ambiental?

Para explicar o que é racismo ambiental analisamos casos de exposição de populações vulnerabilizadas a riscos ambientais.

Em 15 de maio deste ano, o site do jornal “Diário do Vale” (publicação distribuída nos municípios do Sul Fluminense) divulgou a notícia “Prefeitura de Angra dos Reis Redobra Cuidados com a População em Situação de Rua”. Era o auge da pandemia de COVID19. Segundo o texto, a Escola Municipal Áurea Pires da Gama, localizada dentro do Quilombo de Santa Rita do Bracuí, naquele município, fora convertida num alojamento para moradores de rua com suspeita ou diagnóstico comprovado de COVID19. Ou seja, foi imposto aos quilombolas, a convivência próxima com o risco de contaminação

O que é racismo ambiental ?
Imagem do quilombo do Bracuí.

A notícia apresenta a ação do governo municipal de Angra dos Reis como um benefício para os moradores de rua. Mas não deixa claro que o alojamento fica afastado do centro da cidade, a 30 minutos de carro (26km) do hospital público mais próximo. Ou seja: em uma situação de emergência, o doente ficaria sem atendimento. Alguém poderia justificar: “se é para isolar os doentes, melhor que fiquem num local afastado mesmo!”. Mas, nesse caso, afastado de quem? Porque para para os quilombolas do Bracuí a ameaça nunca esteve tão próxima. 

Este é um caso exemplar de racismo ambiental. E em dose dupla. De um lado reflete a negligência das autoridades com comunidades tradicionais. O fato vem sendo denunciado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas (Conaq), como noticiou a Qual Perfil. (Veja aqui).  Mas a situação também revela descaso com a população de rua. Os doentes nessa condição foram removidos da cidade para um local onde não têm assistência médica adequada. Aliás, a única unidade de saúde próxima ao alojamento é justamente o posto de saúde que atende ao quilombo. Portanto, duas populações em situação de vulnerabilidade passarão a disputar o acesso ao mesmo serviço.

Para Entender o que é Racismo Ambiental

Para compreender o que é racismo ambiental podemos resgatar o conceito de raça que – é sempre bom lembrar – é uma invenção do colonizador europeu. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos, citado na pesquisa Qual Perfil – apresentada pela Bem TV em 2018 – explica que tudo começa com a passagem da era medieval para a modernidade. Na idade média, europeus acreditavam que alguns homens nasciam nobres; enquanto outros nasciam servos. A emergência da modernidade, no entanto, torna todos os homens “iguais”.

Mas a corrida pela colonização de outros territórios institui uma contradição. Afinal, a perspectiva de exploração dos novos continentes esbarrava num obstáculo: as terras eram habitadas. Como convencer os que ali viviam a entregar essas terras aos europeus? Certamente pela força. Mas como conciliar o uso da violência indiscriminada com o ideário moderno; segundo o qual todos os homens eram iguais? Resposta: construindo o entendimento de que tais pessoas não eram seres humanos, ou, pelo menos, não era tão humanas quanto os europeus. E assim que surge o conceito de “raça”. O racismo é a organização do coletivo a partir dessa crença.

No caso do racismo ambiental isso se manifesta nas formas diferentes como a sociedade trata os territórios habitados por diferentes populações. Favelas – onde moram principalmente negros – quilombos e aldeias indígenas não contam com saneamento básico, nem com coleta de lixo. Naturaliza-se a concepção desses espaços como espaços vazios, que não precisam receber investimentos, ou que estão disponíveis para a implementação de empreendimentos econômicos, ou para o descarte de resíduos que ninguém quer.

O que é racismo ambiental?
Reunião no Quilombo do Bracuí

Outros Casos que Explicam o que é Racismo Ambiental

Veja aqui outros três casosde racismo ambiental. Para saber mais acesse o “Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil”:

Tragédia do Morro do Bumba (Niterói, RJ) – Em 04 de abril de 2010, um deslizamento matou 48 pessoas e deixou 3.000 desabrigados. A comunidade se formou sobre um lixão desativado. A prefeitura não apenas negligenciou a ocupação de um terreno sabidamente instável, como fez obras no local, estimulando o crescimento da comunidade. Até hoje, parte dos desabrigados não recebeu uma nova moradia, o que foi foi uma promessa, na época. Isso porque parte dos prédios construídos para abrigar as vítimas corre risco de desabamento e foram interditados pela defesa civil.

Base de Lançamento de Alcântara (Alcântara, MA) – Mais de 800 famílias quilombolas podem ser expulsas de seu território. A inteção é expandir o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). O empreendimento foi pactuado com o governo norte americano em um convênio. O anúncio do despejo das famílias aconteceu no fim de março. A remoção está suspensa até que seja realizada a consulta prévia, livre e informada, das comunidades afetadas. Essa consulta, além de ser uma revindicação antiga dos quilombolas, é uma das exigências determinadas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

Portos no Lago Maicá (Santarém, PA) – A instalação de dois portos na beira do Rio Amazonas ameaça 12 comunidades. São quilombolas, indígenas, pescadores e ribeirinhos que podem ficar sem suas casas e sem sustento. Os empreendimentos podem alterar a circulação dos barcos na região. Além disso também podem impactar a pesca: umas das principais atividades econômicas das comunidades. Um dos projetos que está em construção de maneira irregular.

As Origens do Conceito

Os conceitos de racismo ambiental e de justiça ambiental aparecem no fim dos anos 1980 nos Estados Unidos. Ambos refletem uma forte preocupação com uma justa distribuição dos recursos naturais na nossa sociedade. Em oposição, os dois conceitos também criticam os mecanismos pelos quais sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais provenientes do desenvolvimento econômico às populações de baixa renda e aos grupos sociais discriminados. A principal diferença entre os dois conceitos é a forma de conceber as origens das injustiças ambientais.

A ideia da justiça ambiental encontra-se bastante associada ao caso Love Canal. Em 1978 uma população operária (predominantemente branca) descobriu que vivia sobre um rio que havia sido utilizado como local de despejo de resíduos tóxicos. Vinte anos antes o canal fora coberto, e as casas dos trabalhadores foram construídas sobre ele. Neste caso, observa-se a ausência de questões raciais, remetendo ao conceito de justiça ambiental, mais ligado a uma perspectiva de classe. Segundo essa concepção os sujeitos que sofrem injustiças ambientais pertencem a uma mesma minoria econômica.

Já o conceito de racismo ambiental surge em 1982, no estado de Nova Iorque. Moradores negros da comunidade de Warren County se revoltaram contra a instalação de um depósito de rejeitos tóxicos em seu território. Este caso colocou em pauta a discussão a respeito da presença da componente racial nos casos em que se verificam tratamentos injustos quanto às questões ambientais.

No Brasil:

Em 2001 a Universidade Federal Fluminense, a Fundação Oswaldo Cruz e a FASE organizaram um colóquio sobre Justiça Ambiental. De acordo com a pesquisadora Selena Herculano , que participou da organização do evento, houve muita discussão se o tema desse encontro seria ‘racismo ambiental’ ou ‘justiça ambiental’. A opção foi por ‘justiça ambiental’, em função de se considerar o termo mais amplo e agregador. O evento deu início à Rede Brasileira de Justiça Ambiental  – RBJA. Apesar de ter adotado o termo “justiça ambiental”, a rede reconheceu o conceito “racismo ambiental” como aplicável ao contexto brasileiro. Além disso, manteve um grupo de trabalho sobre essa temática específica. Em novembro de 2005 aconteceu um segundo evento, dessa vez pautando especificamente o racismo ambiental.

Para Lays Helena Paes e Silva, o reconhecimento do racismo ambiental como conceito autônomo – ainda que compreendido como uma forma de injustiça ambiental – acaba por colocar em evidência a necessária análise dos fatores raciais nas situações de injustiça. Para ela uma abordagem que considere predominantemente as questões de classe acaba contribuindo para encobrir e naturalizar o racismo em nossa sociedade. Além do mais, mesmo que o racismo não seja a base de análise de todas as situações de injustiça ambiental, haverá questões que serão incompreensíveis sem a sua consideração.


 

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