Entre Panelas e Palhaçadas

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Entre Panelas e Palhaçadas

Entre Panelas e palhaçadas: conheça o corre de Thallita Flor que concilia o circo com o trabalho como chef de cozinha.

No corre com Thallita Flor

Uma chef vegana que brilha no picadeiro. Uma palhaça que se destaca na cozinha. Uma ativista vegana que coloca racismo em pauta com teatro e culináraia.  Thalita Flor é tudo isso. Idealizadora e cozinheira do Banana Buffet – especializado em culinária vegana – ela também é produtora e palhaça da Cia. Mala de Mão, onde dá vida à “Palhaça Tita”. Quando perguntada sobre o que é prioridade, ela responde que se considera uma artista se expressando por meio de diferentes linguagens, incluindo o teatro, a palhaçaria e a gastronomia.

QP: O que veio primeiro? A cozinha ou a palhaçaria?

Entre a cozinha e o circo, a cozinha veio primeiro. Mas entre a cozinha e a arte, eu sou antes de mais nada artista. Desde muito nova me interessei por teatro. Em 2010, quando eu tinha 15 anos, fiz um curso livre de teatro e, desde então, confirmei que a arte, particularmente as artes cênicas, são meu objetivo de vida. Em 2015, eu ingressei na Faculdade de artes cênicas na UniRio.

QP: A culinária é uma atividade necessária para você se manter na faculdade?

No início cozinhar foi a saída que encontrei para me manter enquanto estudante de teatro. Eu morava em Cascadura com meus pais. A UniRio fica em Botafogo. Ou seja, bem longe. Além disso, a faculdade de teatro não foi pensada pra quem é pobre, pra quem é preto. O curso é oferecido em horário integral, embora não tenha aula o dia todo. Ou seja: você até tem tempo livre, mas não pode arranjar um emprego, porque seus horários ficam a mercê dos professores. Quem precisa trabalhar vai fazendo o que pode, cada semestre um pouquinho.

Antes de entrar na faculdade eu já cozinhava. Mas tinha mais a ver com o meu compromisso de não consumir nada de origem animal. Não tinha muitas opções (ainda mais no subúrbio). Então eu inventava eventos, fazia rodízios de pizza… Eu até cobrava, mas o objetivo não era o lucro.  A ideia era oferecer uma alternativa pra quem tinha o mesmo compromisso que eu. Mas quando comecei a faculdade precisei de dinheiro. Saí da casa dos meus pais, pois fui morar com uma amiga em Copacabana. Então comecei a vender congelados. Depois passei a vender marmitas com outros dois amigos. E isso me manteve por um bom tempo. Em 2016 a gente tirava R$200 de lucro para cada um dos três por semana.  A partir de 2018, no entanto, o buffet passou a focar exclusivamente nos eventos.

QP: Qual é sua principal fonte de renda hoje?

Hoje realmente vivo entre panelas e palhaçadas, mas a minha maior fonte de renda é a Cia Mala de Mão. No entanto, isso não quer dizer que uma coisa tenha “passado a frente” da outra. Com a pandemia o buffet está praticamente parado, pois os eventos pararam de acontecer, obviamente. Mesmo assim eu ainda recebo muitos pedidos de orçamento e fecho contratos. Porque as pessoas que estão organizando casamentos, formaturas, grandes eventos, fazem isso com muita antecedência, e o pagamento todo sempre acontece até a data do evento. Então o Buffet segue mobilizando dinheiro. E eu aposto muito que quando toda essa história de COVID19 passar a gente vai ter um “boom” de festas e eventos, porque o povo tá desesperado, né? (rs rs rs).

Hoje eu dividido um espaço com a Conflor, uma confeitaria vegana, na antiga fábrica Bhering no Rio de Janeiro. Em 2019, fiz uma vaquinha online e consegui comprar todos os equipamentos e mobiliário necessário para montar uma cozinha profissional. E essa cozinha está lá montadinha, só esperando a pandemia passar.

QP: Você já se sentiu pressionada a decidir entre as duas coisas?

Quando comecei a faculdade, as pessoas me viam vendendo quentinhas e perguntavam por que eu não estudava gastronomia. Eu sentia como se estivessem me empurrando pra fora do teatro… Tinha uma pressão para escolher. Mas hoje eu fico mais tranquila. Eu não consigo ver tanta diferença entre o teatro e a gastronomia. Na cozinha tem coreografia, tem um roteiro, uma performance e um público. Eu não me vejo trabalhando na cozinha até o fim da vida, mas o Banana Buffet é um projeto importante que eu quero levar pra frente. Por que eu não poderia fazer os dois? Entre panelas e palhaçadas, eu acho que as duas coisas podem se fortalecer. Digamos que eu saia em turnê e aparece um casamento do buffet? Ué vai ter uma equipe! Eu faço esse sacrifício inicial de fazer tudo sozinha até a coisa crescer.

Entre paneladas e palhaçadas
Thallita na pele da Palhaça Tita

QP: O Banana Buffet surgiu quando você entrou na faculdade?

Não. Ele veio antes. Na verdade, eu cresci no meio dessa história dos eventos. Meu pai é DJ e tem uma empresa de luz, som e imagem junto com minha mãe. Minha mãe também trabalha com decoração de eventos e eventualmente presta serviço para um buffet. E eu, mais nova, volta e meia fazia algum bico de garçonete ou coisa parecida nesse buffet com quem minha mãe trabalha. Quando eu comecei a cozinhar, surgiu a ideia de criar um buffet. Isso foi em 2014. E não tinha nada, só uma página no Facebook. Mas ali já estava a ideia de um buffet com gastronomia totalmente a base de plantas.

QP: E a Palhaça Tita,como surgiu?

A palhaça Tita nasceu em 2016, quando eu já estava na Cia. Mala de Mão. Muita gente que faz teatro desconhece a arte e a ciência que existe por trás da palhaçaria. Eu mesma achava que para fazer uma palhaça bastaria fazer um número cômico. Fazer graça. E na verdade vai muito além disso. E na Cia. Mala de Mão ainda tem todo um propósito por trás. Porque a gente faz circo e investe na palhaçaria, numa perspectiva racializada. O palhaço é, via de regra, o estereótipo do homem branco europeu. O nariz vermelho vem daí. Nossos palhaços têm o nariz preto. E tem todo um cuidado na construção dos espetáculos. Priorizamos o trabalho com outros artistas negros, cuidamos do que colocamos “pra dentro de casa”, porque tem muita coisa em jogo.

QP: Você acha que é mais conhecida por ser palhaça, ou por seu trabalho no Banana Buffet?

Nenhum dos dois (ainda). Mas sou conhecida mesmo por ser vegana, preta e favelada… rs rs rs. Porque eu postei um texto num blog meu em 2017 falando sobre isso. (Veja aqui). Viralizou e, depois disso, todo mundo começou a me citar como referência de vegana, preta e favelada. E aqui estou eu. (Thallita tem 27,300 seguidores no seu perfil do Instagram. A maioria dos posts discute alimentação e racismo).

QP: Entre a gastronomia e teatro, qual sua visão de futuro?

Entre panelas e palhaçadas, meu plano é ficar famosa, ser uma atriz consagrada e as pessoas quererem a minha presença nos eventos do buffet. Quero ter uma equipe competente que vai tomar conta dos eventos. E eu vou ter o buffet como um suporte para o meu crescimento como artista e empreendedora. Ele vai funcionar como uma base para que eu desenvolva projetos, pense eventos, entre outras coisas.

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