Beleza Made in São Gonçalo

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Beleza Made in São Gonçalo

Beleza Made in São Gonçalo: vencedora do concurso Miss Beleza T Brasil em 2020, Eloá Rodrigues representa o país em concurso mundial na Tailândia.

Beleza Made in São Gonçalo
Moradora do Jardim Catarina, em São Gonçalo, Eloá Rodrigues é a Miss Beleza T Brasil de 2020.

É no bairro do Jardim Catarina, em São Gonçalo, que mora a Miss Beleza T Brasil. Seu nome é Eloá Rodrigues. Aos 28 anos ela vai representar a beleza trans brasileira, no concurso Miss International Queen , que acontece esse ano na Tailândia. Negra e ativista, ela concilia a dedicação aos concursos de beleza, com as aulas no curso de ciências sociais da Universidade Federal Fluminense. Além disso é presidente do Conselho de Direitos LGBTI+ do município de Niterói, representando o Grupo Transdiversidade de Niterói (GTN).

A coroa de miss Beleza Trans não veio fácil. Logo após vencer o concurso, Eloá foi vítima de comentários racistas nas redes sociais. A representante do Mato Grosso do Sul, que ficou em quarto lugar no concurso, postou um vídeo dizendo que “não deveria ter perdido para isso”. Pela postagem preconceituosa, a jovem perdeu o título de Miss. Já Eloá acaba de passar por duas cirurgias plásticas que fazem parte da sua preparação para o desfile na Tailândia. E afirma: “Eu me orgulho muito da pessoa que me tornei.


QP: Como Você se envolveu com os concursos de beleza?

Desde que eu comecei a minha transição, em 2014, eu me identificava com os concursos de beleza. Acho que são eventos importantes. Eles afirmam uma imagem positiva da população trans. Em 2015 eu me inscrevi no Miss T Brasil, que era um concurso que acontecia desde 2012. As inscrições nesses concursos, em geral, são online. Você preenche um formulário, manda fotos, e aguarda o resultado. Em 2015 eu não fui classificada. Em 2016 eu participei do Miss Transex Niterói. Também não fui classificada, mas foi uma experiência importante.  Nesse mesmo ano, a organizadora do Miss T Brasil faleceu, e o concurso passou a ser organizado por um grupo de São Paulo. Eu tentei me inscrever novamente em 2017, mas também não fui classificada. Em 2019 surgiu essa nova franquia: o Miss Beleza T Brasil.

QP: E como chegou ao título de Miss Beleza T Brasil?

Durante muitos anos o Miss T Brasil era o evento que indicava a representante brasileira no Miss International Queen, que é uma competição internacional. Mas hoje essa definição sai do Miss Beleza T Brasil. Eu me inscrevi primeiro em 2019. Fui selecionada para representar o estado do Rio de Janeiro. A cerimônia de coroação foi no Scala, no Rio de Janeiro. Eu consegui ficar entre as 10 primeiras colocadas. Foi tranquilo, mas foi um pouco frustrante com certeza. A gente investe muito, se esforça e trabalha muito. Desenha uma estratégia para poder se apresentar. Tanto que eu fiquei na dúvida se me inscrevia de novo em 2020. Porque esses concursos são muito mais investimento do que retorno. E eu, honestamente, fiquei receosa de ter um resultado aquém da minha expectativa, como tinha acontecido no ano anterior, mas acabei me inscrevendo. E dessa vez deu tudo certo.

QP: Como é essa preparação para o concurso?

O concurso é um momento em que você “vende” uma imagem. Você constrói a forma com quer que as pessoas te vejam. Definir essa imagem é fundamental. E também é importante pensar de que forma você vai apresentar essa imagem, de modo que as pessoas vejam o que você quer. Então tem os figurinos, não apenas os do dia do desfile, mas os looks que você vai usar em todas as outras situações em que vai estar com os jurados e com a organização. A forma como você vai caminhar na passarela, tem o penteado, a maquiagem, como vão ser e quem vai executar… Como você quer que esteja o seu corpo… Por exemplo: para participar do Miss Beleza T Brasil em 2020 eu fui pra academia. Porque o meu corpo não estava como eu queria.

QP: Como foi o concurso num momento de isolamento social? (Por causa da pandemia)

Em 2020 o desfile aconteceu em São Paulo. No hotel Matsubara. E nós – as misses, os jurados e a organização – ficamos confinados no hotel quatro dias. Durante esse tempo cada uma de nós (eram 23 concorrentes) fez dois ensaios fotográficos. Tivemos um jantar de confraternização e uma tarde de entrevista com os jurados. Durante todos esses momentos a escolha da vencedora estava sendo feita. Antes disso, toda a estratégia passava pelas redes sociais. A organização nos solicitou dois vídeos: um curtinho só com imagens; e outro mais completo, onde a gente tinha que falar porque estávamos participando. Também precisamos produzir muitas fotos. Tudo ia para as redes sociais do concurso. Fazer um vídeo de qualidade, que te apresente bonita, custa caro. Mas também é fundamental para você conseguir de fato sobressair num contexto de concorrência. Então foi muito trabalhoso.

QP: Mas aí você ganhou!! Beleza made in São Gonçalo!

Ah sim! Aí eu ganhei! E foi muito gratificante. Eu represento dois segmentos muito discriminados: os LGBTI+ e a população negra. O fato de ser negra traz impedimentos. Dentro da comunidade trans também existe racismo. Nós vivemos numa sociedade que constrói e alimenta padrões de beleza. E eu tenho consciência de que não estou dentro desse padrão, que é um padrão racista. Então ganhar o concurso é muito importante. Afirma que a minha beleza, com a minha cor, o meu cabelo, são legítimos.

QP: Você conta com algum apoio para se preparar para as competições?

Eu tenho sete pessoas que trabalham comigo, contando aqueles que trabalham direta e indiretamente. Todos trabalham no amor. O meu sonho se tornou o sonho deles. Eles acreditam que eu tenho potencial e resolveram investir. Eu acabei de passar por duas intervenções plásticas. Para isso tive apoio da organização do concurso Miss Beleza T Brasil. Eu só complementei com um pequeno valor para acrescentar algumas coisas que eu queria. Os custos da viagem para a Tailândia também são cobertos pelo concurso. Mas todo o resto é investimento meu, da minha família e das pessoas que acreditam em mim.  

QP: Sua família esteve sempre do seu lado?

Minha família é o meu suporte. Eu tive uma infância tranquila, morando com a minha avó e a minha tia. Desde criança não performava a masculinidade como as pessoas esperavam, mas não entendia bem o que era. Na adolescência as coisas ficaram mais difíceis. Eu me interessava pelos meninos, e queria performar a feminilidade como as minhas amigas, mas isso era proibido. O termo “trans” nem existia. Eu passei toda a minha adolescência, e o início da vida adulta sem saber quem eu era. Até eu começar a minha transição. A minha família transicionou junto comigo. Claro que teve situações difíceis, claro que a gente não consegue mudar tudo. Mas passado o momento inicial, eu tive todo o apoio. Hoje penso que sou inspiração e referência para outras crianças e adolescentes que estão se descobrindo. Eu mostro pra eles que é possível. Isso é a minha maior realização.

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