A quantas anda a representação negra no cinema norte-americano?
Os EUA, assim como outros países das Américas, adotou a escravidão como modelo de trabalho. A escravidão começou nos EUA em 1619, com os primeiros escravizados vindos da África, e em duas décadas se encontrava mão-de-obra escrava em todo território das 13 Colônias. O Norte dos EUA aboliu a escravidão após a Guerra de Independência, enquanto a abolição nos estados sulistas se deu durante a Guerra de Secessão, sendo a questão sobre o modelo escravocrata sulistas um dos cernes do conflito. Por ocorrer durante um conflito tão sangrento, a abolição deixou feridas abertas que perduram até os dias de hoje na sociedade norte-americana, e podemos notar esses efeitos ao analisarmos a indústria cinematográfica dos EUA. Após a abolição, os negros ainda foram submetidos a um modelo de segregação racial institucionalizado pelo Estado. O negro nos EUA, só passou a ter os mesmos direitos que os brancos na segunda metade do século XX, em 1964, um século depois da abolição da escravidão. Tais eventos afetaram a forma como o negro era visto na sociedade norte-americana, e essa visão é refletida em como o negro é representado no cinema dos EUA.
O primeiro grande blockbuster de Hollywood é o épico de D. W. Griffith, que representa a visão e o ideal de vida sulistas acerca da Guerra Civil e do período da Reconstrução. O Nascimento de Uma Nação é até hoje cultuado pelos seus aspectos técnicos, que foram revolucionários para a época, embora a estória do filme tenha clara propaganda supremacista. O filme coloca os negros de uma forma irreal e animalesca, mostrando-os inaptos para viver em sociedade com os brancos. O Nascimento de Uma Nação ajudou a propagar ainda mais preconceito na sociedade norte-americana, sendo inclusive apontando como um dos fatores o ressurgimento da Ku Klux Klan no século XX. A forma como o negro no cinema norte-americano foi retratado é quase sempre de forma negativa, sendo na maioria das vezes de forma caricata ou estereotipada. Há dois problemas aos negros nos filmes: a falta de representatividade e a representação negativa.
Os papéis mais comum destinados aos atores negros são os de escravos, empregados domésticos, criminosos ou de população em vulnerabilidade social. Esses dados ficam ainda mais evidentes se formos analisar a premiação do Oscar. A primeira e única atriz negra a ganhar um Oscar na categoria de melhor atriz foi Halle Berry, em 2001, na qual ela interpretava uma mãe em situação de vulnerabilidade social no filme A Última Ceia. Desde então a academia só premiou atrizes negras coadjuvantes, e a maioria interpretando papéis sob o estereótipo destinado a população negra. Na categoria de melhor ator no Oscar, somente Denzel Washington, Forest Whitaker, Sidney Poitier e Jamie Foxx foram os únicos a ganhar na categoria de ator principal. A falta de representatividade da premiação nos anos de 2015 e 2016, sem nenhum ator ou atriz negros indicados nas quatro categorias de interpretação, foi chamado “Oscar branco”, motivo de muitas críticas, tanto da sociedade, quanto da classe artística. Graças a isso, a Academia promoveu mudanças no seu quadro de votantes para ter mais diversidade.
Houve pequenos avanços nos últimos anos acerca do problema da falta de representatividade no cinema. Toda essa discussão está se resultando em pequenos progressos para a população negra se ver representada em filmes e séries de TV.
Produções como Pantera Negra, Corra!, Cara gente branca, em que os protagonistas fogem do estereótipo destinado aos negros, foram sucesso de crítica e público, mostrando para a indústria cinematográfica que diversidade racial é importante para o público que precisa se ver representado. Os debates sobre a questão racial nos EUA, que se expande para a representatividade dos negros no cinema e na televisão, mostra que pode evoluir a médio prazo, mas a desigualdade racial na sociedade norte – americana está longe de acabar.
Por Carolina Oliveira, historiadora.
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