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#QualPerfil do Pacote AntiCrime

Em fevereiro, o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou um Projeto de Lei que chamou de “pacote anticrime” (PL 882/19), em princípio, uma série de medidas para o combate à corrupção, crime organizado e crimes violentos. Mas, qual o impacto social da possível implementação do modelo? Qual será o perfil daqueles que serão mais diretam,ente afetados pelos seus possíveis efeitos negativos?

Alguns especialistas apontam o texto como falho e com ambiguidades que permitiriam diversas interpretações por parte dos agentes públicos que executarão a nova legislação (Veja aqui entrevista de Fernando Hideo Lacerda ao Brasil de Fato). Nesta terça-feira (23/04) especialistas em Direito criticaram, na Câmara dos Deputados, a lógica repressivo-punitiva que orientaria o pacote anticrime proposto pelo ministro e por uma comissão de juristas liderada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes (PLs 10372/18 e 10373/18).

Em geral, dois tópicos da proposta têm gerado grandes discussões. Um deles é a prisão dos condenados em segunda instância. Hoje, a lei prevê que ninguém pode cumprir pena de prisão senão em flagrante ou após ter todos os recursos julgados. Com a alteração, ficaria assegurada a execução provisória da condenação criminal após julgamento em segunda instância. Ou seja: o número de prisões aumentará exponencialmente.

O outro ponto de grande polêmica do projeto diz respeito à legítima defesa. A proposta de Moro é que as penas possam ser reduzidas até a metade ou até deixar de ser aplicada em casos de “decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Para o advogado e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo Alberto Zacharias Toron, que participou de debate promovido pelo grupo de trabalho da Câmara que analisa as propostas, “ampliar o conceito de legítima defesa para abrigar situações de medo e violenta emoção é dar uma espécie de carta branca para que se possa matar”.

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que compila e analisa dados de registros policiais sobre criminalidade, apontou que, em 2017, a polícia brasileira matou 3.240 pessoas negras, número quase três vezes maior que o de pessoas brancas. Somente aqui no Estado d Rio de Janeiro, nos últimos 20 anos 16 mil pessoas, na maioria jovens negros, pobres e moradores de periferias ou favelas, morreram atingidas por tiros disparados por policiais da PM do Rio, que alegaram legítima defesa. Essas mortes são na maioria das vezes acobertadas pelos chamados “autos de resistências”, um resquício legal dos tempos da ditadura militar que impede a investigação quando assim tipificado pela própria polícia.

Se as políticas repressivas parecem fracasar na sua tentativa de fornecer segurança à população, haja vista as altíssimas taxas de letalidade, as políticas punitivas parecem não ficar atrás. Os crimes que mais motivam as prisões no Brasil são de ordem patrimonial e de drogas, de acordo com relatório da PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e SNJ – Secretaria Nacional da Juventude. Os que são presos como traficantes, são, na maioria das vezes, jovens e negros. Grande parte dos presos tem condição provisória. Isto indica que o policiamento e a justiça criminal não têm foco nos crimes mais graves, mas atuam principalmente nos conflitos contra o patrimônio e nos delitos de drogas.

Professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux disse que o encarceramento como meta contribui para o fortalecimento de organizações criminosas nos presídios. “Quem vai para a cadeia é o pequeno traficante. Isso não impacta o tráfico nem as organizações criminosas”, declarou ela, ao lembrar que o tráfico de drogas é considerado crime hediondo desde 1988. Para a professora, falta investigação para se chegar aos grandes traficantes. “A legislação vigente não diferencia claramente usuários e traficantes.” Ao ser questioada pelo deputado Capitão Augusto (PR-SP) quem sustentou que a proposta foca em crimes graves e não nos pequenos traficantes, Boiteux destacou que até nos Estados Unidos o aumento das punições está sendo reavaliado, porque tem custo alto e não atende às expectativas. “Não há evidências que comprovem relação entre o aumento de pena e a redução da criminalidade”, afirmou.

Foto: Paulo Pinto/Agência PT – Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha.

Fica clara a limitação de políticas de segurança pública que não apresentem uma perspectiva capaz de integrar ações de repressão qualificada -com inteligência e investigação- com ações
de prevenção de curto, médio e longo prazo, articuladas à oferta de serviços públicos de qualidade (saneamento básico, saúde, educação etc.) e focadas nos segmentos da população mais vulneráveis à violência tanto de organizações criminosas -como o tráfico e as milícias ou grupos de extermínio- quanto da polícia e do sistema carcerário: os jovens pobres e negros.

Quando um projeto de lei legitima a violência policial e investe em legislação que permite prender mais e por mais tempo, isto acaba por ser tornar um estímulo à prática de crimes. A polícia matará mais. E também morrerá mais. Afinal: “Também morre quem atira!”.

Todas essas mudanças tendem a acarretar um intenso agravamento das desigualdades sociais, e reforçamos: expondo a parcela mais marginalizada da sociedade, o povo negro, periférico.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:
PL-10372/2018
PL-10373/2018
PL-882/2019

Veja também: #qualperfil – Origem de uma mobilização por equidade racial no mundo do trabalho.

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