O que é Intolerância Religiosa: O brasileiro veste branco no ano novo e pula sete ondas, mas odeia as religiões de matriz africana.
Olha para a imagem aí em cima. A foto é da última virada de ano na Praia do Forte em Cabo Frio, segundo matéria publicada no primeiro dia do ano no site G1. Passado o susto causado pela aglomeração em tempos de pandemia, observe como a maioria das pessoas veste branco. Possivelmente uma boa parte delas pulou as sete ondas à meia noite. E, no dia seguinte os garis deram duro para recolher da areia os quilos de flores jogadas no mar.
Cada uma dessas tradições remete a aspectos das religiões de matriz africana. De acordo com o pai Gilmar Hughes de Oyá, babalorixá do Egbé Ilè Àsé Oloyá Torun, em São Gonçalo, quem pula as sete ondas, por exemplo, homenageia Olokum:
_ Quando a gente pula as sete ondas estamos lavando os sete caminhos do novo ano. Isso porque o calendário yorubá só tem sete meses – diz ele, lembrando que o número sete também faz referência a Exú.
A escolha do branco para romper o ano também é um “empréstimo” das religiões afro-brasileiras. De acordo com o jornalista Bruno Acioli, fundador do Projeto Umbanda, em meados dos anos 70 praticantes dessa religião comemoravam a passagem do ano em Copacabana, no Rio de Janeiro, vestidos de branco oferecendo flores a Iemanjá. A partir de então, a cada ano mais frequentadores do réveillon naquela praia adotaram o costume. E como Copacabana ditava moda, a ideia se espalhou pelo país.
Intolerância Religiosa
Mas, ao que parece, no Brasil a diversidade religiosa só tem lugar na noite de 31 de dezembro. Basta checar os dados do Disque 100, serviço do governo federal que acolhe denúncias de violações de direitos. Pois só no primeiro semestre de 2019, houve um aumento de 56% no número de denúncias de intolerância religiosa, em comparação ao mesmo período do ano anterior. Praticantes de religiões de matriz africanas são autores de 60% das queixas.
De acordo com Romeu Paula da Silva, ogan do terreiro Egbe Ile Iya Omidaye Ase Obalayo, em São Gonçalo, a intolerância em relação às religiões de matriz africana na verdade dissimula o racismo estrutural da sociedade brasileira:
– Quando a gente se veste para o culto, a gente está se vestindo de “preto“, mesmo que as roupas sejam, em geral, brancas. Porque a gente está dando o testemunho da cultura negra, dos valores do povo preto. E isso é rechaçado. Mas como no Brasil o racismo é sempre velado, ele vem disfarçado de intolerância religiosa – diz ele, lembrando que os casos de agressão provocados por religiosos neopentecostais, não usam da mesma violência contra católicos, budistas ou mesmo contra kardecistas.
Enfrentando o Problema
Há 20 anos, aconteceu um atentado ao terreiro de Candomblé, Ilê Axé Abassá de Ogum, localizado nas imediações da Lagoa do Abaeté, bairro de Itapuã em Salvador (BA). Esse terreiro tinha como líder a Iyalorixá Gildásia dos Santos, conhecida como Mãe Gilda de Ogum. Fundamentalistas da Igreja Universal do Reino de Deus invadiram e depredaram o templo, e agrediram o marido de Mãe Gilda violentamente.
Dois meses depois, um jornal da mesma igreja publicou uma foto da Ialorixá, com uma tarja no rosto. Acima da imagem a manchete: “Macumbeiros charlatões lesam a vida e o bolso de clientes“. Ao ver a publicação, a idosa de 65 anos teve um ataque cardíaco fulminante e faleceu no dia 21 de janeiro. Em homenagem à Mãe Gilda de Ogum, a data foi declarada como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 2007.