O estado norte americano da Georgia conseguiu, ao longo dos anos, mudar o perfil do eleitorado, favorecendo a população negra. Vitória a Longo prazo.
O deputado norueguês Petter Eide indicou o movimento Black Lives Matter (BLM) para o Prêmio Nobel da Paz. Em entrevista à AFP, o parlamentar ligado à esquerda socialista, justificou sua escolha. Para ele o movimento antirracista norte americano “se tornou um dos mais poderosos do mundo, na luta contra a injustiça racial¨. A decisão sobre o prêmio sai em outubro.
Vencendo ou não, uma coisa é certa: o Black Lives Matters teve papel decisivo nas eleições norte americanas de novembro passado. O número de afro-americanos aptos a votar chegou a 30 milhões em 2020, já representando 12,5% do eleitorado, de acordo com o instituto de pesquisa Pew Research Center. A onda de protestos organizados após o assassinato de George Floyd por policiais em Minesotta, mobilizou todos esses novos eleitores, gerando um recorde de comparecimento às urnas na votação recente para presidente, senadores e deputados.
A mobilização negra, por exemplo, é considerada determinante para a virada histórica de Joe Biden (Partido Democrata) contra Donald Trump (Partido Republicano) no estado da Georgia, Sudeste dos EUA. Com perfil rural e conservador, o estado tem sua história atravessada pela escravidão e pelo racismo. O Partido Democrata não vencia a corrida presidencial nesse estado há 28 anos (a última vez foi com Bill Clinton, em 1992). Para analistas locais, portanto, os protestos realizados pelo Black Lives Matters são a principal explicação para a vitória do Partido Democrata na Georgia.
Georgia: Presidente Democrata, Senador Negro
O democrata Joe Biden levou a melhor em 24 estados, conseguindo o voto de 306 delegados. Trump venceu em 23 estados, ficando com o voto de 270 delegados. Nos Estados Unidos a eleição é indireta. Dessa forma, cada estado tem um número de delegados e estes votam no candidato escolhido pela maioria da população do seu estado. Na Georgia, Joe Biden ganhou por menos de 0,25 ponto percentual. A vitória foi apertada, mas a recontagem dos votos confirmou a vitória do presidente eleito.
É certo que a vitória de Biden não é nenhuma revolução. No entanto, nesse momento dos Estados Unidos, a derrota dos republicanos é também a derrota do ideal da supremacia branca. Além contribuir para a vitória de Biden, a Georgia também elegeu seu primeiro senador negro: o pastor Raphael Warnock (democrata). Além dele, o também democrata Jon Ossoff vai ocupar a segunda cadeira do estado no senado.
A escolha desses parlamentares garantiu ao presidente eleito o controle do senado. Os democratas já tinham maioria na Câmara dos deputados, mas a vantagem no senado parecia um sonho impossível. Ao final os democratas ficaram com 48 senadores, mais dois independentes que costumam votar com o partido. Os republicanos têm 50 assentos. Seria um empate, portanto. Mas na prática os democratas têm o controle do senado. Pois o voto de minerva cabe sempre à vice-presidente eleita, Kamala Harris, que é, legalmente, a presidente do senado.
Luta de Longo Prazo
Ao que parece, o estado da Georgia, vem mudando o perfil do seu eleitorado. A transformação, no entanto, não aconteceu da noite para o dia. É uma vitória de longo prazo. Hoje a Georgia é o estado com o maior percentual de eleitores negros : 32,6%, quase 20 pontos percentuais a mais que a média nacional nos Estados Unidos. Nas eleições de 2020, os negros corresponderam a 34% – cerca de um terço – do eleitorado no Geórgia.
Atlanta (capital do estado) é considerada um polo da luta anti racista nos Estados Unidos, e elege prefeitos negros de 1973. Este cenário tem atraído para a região metropolitana da cidade cada vez mais afro-americanos, e também brancos em situação de exclusão ou comprometidos com lutas identitárias (movimento negro, de mulheres, etc.). Por isso é cada vez maior o número de eleitores que discordam da tradicional preferência republicana da Georgia.
Muitos dos votantes recém registrados, foram engajados por grupos como o Fair Fight (Luta Justa). Liderado pela ex-deputada Stacey Abrams. Ela perdeu a disputa para governadora do estado em 2018, e, desde então, trabalha para ampliar a base eleitoral negra nos Estados Unidos. Como lá o voto não é obrigatório, nem todos se inscrevem para participar das eleições mas, segundo Abrams, o Fair Fight já viabilizou o registro eleitoral de 800 mil cidadãos. Ao que parece, ao ampliar o número de eleitores negros o estado da Geórgia conseguiu também ampliar o número de negros eleitos. No Brasil, infelizmente, ainda votamos “em branco“. Mas com mobilização também podemos ter nossa “Vitória a Longo Prazo”.